O Coletivo “Mercado Sul Vive”*, comunica à sociedade do Distrito Federal que neste sábado (07) inicia um processo de retomada da cidade em parceria com o Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST). Frente ao descaso do poder público e à forte presença de especulação imobiliária nos espaços onde convivemos, decidimos ocupar construções ociosas no Mercado Sul em Taguatinga e torná-las vivas em nosso cotidiano, cumprindo uma função social.
Caminhando historicamente com a cidade de Taguatinga, o Mercado Sul foi construído na década de 50, antes mesmo da inauguração de Brasília, sendo um dos primeiros centros comerciais do DF e uma das primeiras edificações de Taguatinga.
A partir da década de 70, a chegada das redes de supermercados e das lojas nas avenidas comerciais levou muitos comerciantes à falência. O Mercado Sul perdeu feirantes e público. Muitas lojas foram então desocupadas, outras viraram depósito de bananas. Essa dinâmica de um convívio misto entre espaços ocupados e outros abandonados teve início nesta época.
Nas décadas de 70 e 80, o que era uma feira em decadência virou reduto da boemia underground de Taguatinga. Essa movimentação sofreu muito preconceito e o lugar passou a ser encarado com certa estigmatização. Com uma leitura um pouco diferenciada desse olhar distante e preconceituoso, entendemos que esse movimento já era o início da ocupação cultural que mais tarde caracterizaria tão fortemente o local. Em meio a essa vivência boêmia estavam poetas, músic@s e uma série de artistas e pensadores que caminhavam na contracorrente cultural. Muitos deles chegaram a alugar lojas e montar serigrafias, estúdios fotográficos, dentre outros.
A partir dos anos 90, o ressoar da viola começa a sintonizar outros agentes de mudança para a real revitalização do Mercado Sul. Hoje, ele é uma vila cultural, também conhecido como Beco ou Beco da Cultura. A chegada da família de “Seu Dico”, luthier (fabricante artesanal) de violas, iniciou uma fértil ocupação artística integrada à chegada de antigos e novos moradores e trabalhadores.
A partir daí o Mercado Sul passou a ser uma referência cultural e logística para artistas, famílias e trabalhadores, além de um refúgio da especulação imobiliária de Taguatinga, ganhando mais força na ultima década com o movimento de pontos de cultura, cultura livre e educação popular.
Aqui foram formados grupos, espaços culturais, ateliês, oficinas, estúdios, produtoras, coletivos e ações, todos se retroalimentando da efervescência cultural encontrada no local, produzindo e oferecendo arte e cultura para a comunidade.
Com o passar dos anos, o Beco da Cultura se firmou como um ponto de referência de cultura que ultrapassou os limites da comunidade dentro da cidade e até mesmo fronteiras, estabelecendo redes com vários outros locais no país e no mundo, principalmente promovendo e articulando várias manifestações da cultura popular. Aqui se canta coco, Rap, repente e maracatu, se dança break e forró e joga capoeira, espadas e futebol. Na comunidade também se reúnem experiências que promovem a saúde da mulher e coletiva, além de vários outros processos criativos.
Entretanto as consequências do aumento dos preços dos aluguéis aliados ao já mencionado descaso do poder público e dos proprietários sobre a área vem caindo sobre todos os moradores e trabalhadores do Mercado Sul. A especulação imobiliária se tornou regra e vários espaços estão abandonados há anos pra servi-la, contribuindo com a produção e reforço de um processo mundial nos espaços urbanos, a gentrificação, que expulsa as pessoas cada vez mais para as periferias das cidade por não conseguirem mais arcar com o preço cobrado pelo mercado imobiliário.
Somados ao grave problema social e econômico já mencionados, vários outros surgem com a manutenção ociosa destes espaços:
– Alto índice de dengue na região, muitas lojas se encontram sem boa parte da cobertura e com entulhos dentro, formando lugar ideal para a procriação do mosquito. Infestação de outros animais como pulgas, ratos e baratas.
– Refúgio a pequenos comerciantes de drogas e esconderijo para pessoas que acabaram de cometer delitos contribuindo com um clima de receio e opressão nas pessoas que lá vivem e transitam, tornando o lugar ainda mais ermo. Esse mal uso serve também para estigmatizar o lugar e todos seus moradores e frequentadores.
Queremos que o Mercado Sul seja terra fértil para viver e fazer arte, gerar e compartilhar sonhos e projetos. Essa vivência saudável e criativa já existe em grande parte do Beco, agora queremos expandir essa ação. Taguatinga não quer apenas viver uma dinâmica de vida a mercê do mercado financeiro e imobiliário, não quer só dormir e bater ponto em algum trabalho distante. Quer produzir e vivenciar arte e cultura. A memória e história da cidade, sua agitada vida cultural, não pode ser esquecida, precisa ser reforçada, garantida, estimulada e tratada com respeito.
No plano institucional e jurídico, validamos nossas reivindicações no Estatuto da Cidade, na Constituição Brasileira e em documentos internacionais os quais o Brasil é signatário, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e Agenda Habitat.
Nossa pauta de reivindicações que apresentamos ao GDF é a seguinte:
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Reconhecimento do Mercado Sul/Beco da Cultura como patrimônio imaterial cultural do DF (formação imediata de equipe da Secult/GDF e IPHAN para início dos estudos e trabalhos na área);
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Desapropriação e cessão de direito de uso das unidades ociosas passando a cumprir sua função social sendo ocupadas conforme decisão do coletivo “Mercado Sul Vive”;
a. Levantamento minucioso da cadeia dominial do Mercado Sul com o intuito de regularização e pacificação da questão sem prejuízos para as partes (este item não pode ser compreendido descontextualizado ou isolado dos demais pontos da pauta);
b. Garantia de manutenção da ocupação até a regularização fundiária do projeto de ocupação do Mercado Sul sem custos para os ocupantes;
c. Apoio na legalização da nova composição fundiária da ocupação junto aos poderes Executivo, Judiciário e Legislativo (local e federal);
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Reconhecimento do projeto urbanístico para revitalização e adequação de uso para finalidades culturais, sociais e habitacionais proposto pelo coletivo “Mercado Sul Vive”;
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Viabilização de recursos para a realização de projeto urbanístico sustentável que inclua saneamento básico, coleta de resíduos sólidos, drenagem urbana, entre outros.
Reafirmamos nosso apoio à luta por moradia digna e reforma urbana empreendida exemplarmente pelo MTST, assim como apoiamos a diversas lutas em defesa do Direito à Cidade.
A cidade para quem a vive, a sonha e a constrói! Nenhum passo atrás!
Mercado Sul / Beco da Cultura Vive!!!
Taguatinga – 07 de fevereiro de 2015
* Constituído por artistas, artesãos, músicos, brincantes da cultura popular, designers, jornalistas, produtores e realizadores de vídeo e trabalhadoras da área gastronômica, dentre outros.