Após mais de 6 anos de ocupação, a ameaça do despejo bate à porta! O Mercado Sul possui oito lojas ocupadas e em disputa na justiça. Sem nossa ampla e imediata mobilização, esses espaços de múltiplas funções correm o risco de voltarem a ter um só dono e de servirem aos interesses de quem não mora nem se importa com a cultura que existe aqui.
Mercado Sul é nossa casa.
Desde o início da ocupação em fevereiro de 2015, foram incontáveis pessoas que fizeram do Mercado Sul seu lar. Artistas, malabalaristas, ativistas, artesãos, grupos de diferentes tribos, gente de várias idades e de lugares do mundo fizeram morada neste território. Aqui nós encontramos mais do que um teto, encontramos um lugar onde nosso trabalho é valorizado, onde as trocas são mais justas, onde a partilha é a regra e onde a vida é mais colorida!
A ocupação também conta com a permanência constante de famílias chefiadas por mulheres que há tempos encontraram no Mercado Sul a possibilidade de fazer vida, de trabalhar e criar seus filhos. Bem antes da ocupação de 2015 elas já estavam por aqui construindo a rede de economia local e hoje permanecem junto com o movimento cultural na luta pela posse das lojas. Filhas e filhos dessas famílias, os jovens que cresceram no beco conseguiram encontrar seu lugar no mundo, através da cultura e do pertencimento coletivo. Aqui vida se fez tão possível que os netos dessas famílias nordestinas que aqui chegaram, seguem na tradicional tecnologia de crescer em comunidade, de aprender brincando com os mais velhos e com a segurança de circular entre os becos.
Uma dessas crianças outro dia nos contou que gosta daqui porque é onde sua avó mora. O Mercado Sul é mesmo uma típica casa de vó, aqui te perguntam se você já almoçou, se aceita um café, aqui se cultiva uma muda de planta, aqui você encontra mãos de costureiras para arrumar uma roupa, te puxar a orelha e te contar umas histórias.
Mercado Sul é território cultural
O território cultural do Mercado Sul é tão antigo quanto a própria cidade de Taguatinga. Foi criado para ser um local de comércio e de feiras livres e apesar da encerramento de sua função inicial de mercado formal, ao longo das décadas o território foi se tornando um grande celeiro de expressões artísticas e manifestações coletivas: vieram as violas, os mamulengos, o samba de coco e o samba de roda, o papelão e o saco de cimento, vieram o graffiti e as batalhas de rima, veio a Ecofeira e o grande Arraiá. Essas e tantas outras expressões culturais deram sequencia à característica original do Mercado Sul enquanto lugar de encontro, de trabalho e de produções populares.
A ocupação de 2015 veio com o intuito de consolidar essa história, de reafirmar a função cultural e o caráter comunitário do território. Ocupamos lojas abandonadas desafiando o projeto de especulação imobiliária que ameaçava, e segue por ameaçar toda nossa história.
Nossos inimigos são grandes. Ao longo dos anos tentamos de diversas formas construir uma solução entre as partes interessadas. Porém, as negociações para uma possível desapropriação do terreno junto ao GDF, restituindo o suposto proprietário das lojas, perderam força com chegada de governos cada vez mais reacionários, interessados em aumentar a exploração de um sobre todos. Tentativas de pactuar na justiça um aluguel social para as lojas também foram recusadas pelo suposto proprietário, cujo interesse maior é o lucro. A justiça segue de mãos atadas, sem mecanismos regulamentados pra garantir nossa posse e permanência, apesar das evidentes provas de que os lotes antes abandonados que não cumpriam função social, foram completamente transformados pela ocupação, trazendo incalculáveis benefícios para todos moradores e frequentadores do beco da cultura.
Assim, hoje temos uma rede de profissionais correndo o risco de ficar sem condições de trabalho, de famílias inteiras ficarem sem moradia, de todo um território ser gravemente fragilizado em suas formas de sobrevivência por conta de uma decisão sobre reintegração de posse prevista para sair já no próximo semestre.
Sabemos que nosso território é bem maior do que as coordenadas traçadas em um papel, assim como sabemos que nossa legitimidade é maior do que dizem os artigos nas leis. Todos que leem essa carta até aqui fazem parte da nossa comunidade e da nossa força coletiva, por isso decidimos compartilhar com vocês as próximas ações a fim de construirmos de fato uma resposta a nossa situação.
Barrar o despejo . Essa é a ação mais imediata! Precisamos mobilizar atores parceiros para barramos a possibilidade do despejo, seja através de participação em audiências públicas, pressionando aprovação de projetos de lei que impedem despejos na pandemia, seja construindo outras táticas de resistência para ganharmos tempo e evitar o fim mais trágico. Fiquem atentos às nossas redes sociais para saberem de nossas mobilizações e se juntarem a nós!
Fundo Mercado Sul VIVE . Sim! Ousamos sonhar, pois nossa causa é grande o suficiente para mobilizações em amplitude nacional e internacional e para convencer o Josimar, dono cartorial, a negociar conosco uma quantia para as lojas que ocupamos abatendo os gastos que já tivemos. O único valor que ele vê nessas lojas é o do dinheiro. Nós sabemos que território não se compra, mas se produz no dia a dia. Somos contra a especulação imobiliária e contra a gentrificação de territórios como o Mercado Sul, mas acreditamos que essa saída econômica fortalecerá nossa capacidade de luta pelo direito à cidade, pela moradia e pela cultura popular.
Registro do patrimônio cultural MSV . O Mercado Sul é local de confluência de saberes, de ofícios e de expressões culturais reconhecidas nacionalmente como patrimônio imaterial pelo IPHAN. De tal forma, realizar o levantamento e registro desse patrimônio trará maior visibilidade e proteção para o território contra interesses dos de fora de se apropriarem ou mesmo de destruírem nossa história. Se você tem interesse em colaborar com processo desse registro, entre em contato com a gente!
MERCADO SUL de todos nós!
Mais uma vez fazemos essa convocação, pois precisamos de todos e todas neste importante momento. Queremos que a luta coletiva se reflita em todas nossas atividades envolvendo a cultura e a justiça social, em cada trabalho, em cada doação, em cada mobilização e em cada mutirão. Precisamos dar as mãos em apoio mútuo pela conquista deste território que é de todos nós. Nós por nós, pelo bem coletivo.
Taguatinga, junho de 2021
Mercado Sul VIVE